Enviaram-nos um texto com autor identificado.
Agradecemos e o publicamos, pois consideramos que só a exposição clara e franca de pontos de vista diversos e mesmo eventualmente contraditórios aos nossos, levarão a sínteses mais abrangentes.
Acreditamos assim na necessidade de uma informação plena e na capacidade de cada um em formar a sua opinião em livre arbítrio sem qualquer condicionamento de informação.
Leiam-no com atenção e enviem as vossas considerações!
Qual o futuro de um Hospital Materno-Infantil no mundo dos “grandes”?
É consensual que o objectivo de qualquer Hospital Público consiste em garantir a equidade do acesso a cuidados especializados de qualidade, humanizados e inovadores, numa lógica de investimento racional, e que esse objectivo encontra-se claramente expresso na missão do Hospital materno infantil de Dona Estefânia, que integra o recém criado CHLC.
A sua Missão é : “Prestar cuidados de saúde diferenciados e de elevada qualidade à Criança e à Mulher, assegurando a formação pré-graduada e pós-graduada de acordo com padrões da mais elevada qualidade e promovendo a investigação, … facilitando a acessibilidade aos seus recursos e o desenvolvimento de complementaridades e parecerias no interesse dos Doentes”.
Se os objectivos estão definidos, a procura da qualidade e da inovação devem hoje passar pelo estabelecimento de parecerias e complementaridades de modo a potenciar quer o desenvolvimento de novas metodologias e tecnologias, quer a partilha de experiências, no interesse último dos próprios Doentes.
A longa história do HDE que desde a sua fundação em 1877 o vocacionou para o tratamento da Criança e da Mãe, tornou-o num dos primeiros hospitais materno-infantis a ser construído na Europa, permitindo que ali se desenvolvessem varias inovações quer organizacionais, como a separação clara do modelo de cuidados pediátricos entre cuidados médicos e cirúrgicos (ocorrida em 1918), quer tecnológicos como seja a criação pioneira de unidades de cuidados intensivos neonatais e pediátricas, a criação da primeira unidade de queimados pediátricos do País, ou ainda investindo em métodos e técnicas adequadas a cada grupo etário que permitiram o desenvolvimento de sub-especialidades na área da Pediatria, tornando este Hospital um centro de formação pós-graduada de referência nacional e internacional.
Este longo caminho percorrido durante 130 anos, caracterizado por um ambiente multidisciplinar dedicado aos cuidados materno-infantis, traduziu-se sempre numa melhoria significativa dos ganhos em saúde para as crianças portuguesas, produzindo entre outros indicadores de todos conhecidos, uma mortalidade igual ou inferior à observada em outros centros europeus para os doentes recém nascidos portadores de malformações graves ou de extrema prematuridade ou nos grandes queimados pediátricos.
A experiência acumulada foi sendo partilhada, numa lógica hipocrática de ensino, promovendo a formação de inúmeros Especialistas que criaram novos Serviços em todo o País, colocando Portugal num dos lugares cimeiros no ranking mundial dos cuidados materno-infantis.
Para se manter esta qualidade nos resultados foi necessário criar uma “massa crítica” de profissionais e de casos que, como vários estudos demonstraram, leva a uma relação directa entre o volume de actividade e a qualidade dos resultados obtidos, especialmente no campo dos doentes mais graves ou de patologia mais complexa.
A recente reestruturação da malha hospitalar de Lisboa, com a constituição do CHLC no qual o HDE foi integrado, levará a breve prazo à construção do Hospital de Todos os Santos que, nas palavras do Dr. Correia de Campos, deverá “...substituir e racionalizar uma oferta de cuidados que actualmente é assegurada por um conjunto de velhos hospitais, por uma oferta moderna e eficiente, de excelência, que dignifique ainda mais o nosso SNS, tornando-o moderno, flexível e ajustado às necessidades de cuidados de saúde dos cidadãos da cidade e da sua área de atracção secundária e terciária.”
Por quanto foi dito acima a questão de fundo do debate que percorre transversalmente os profissionais de saúde do HDE é, se com esta concentração de hospitais num único espaço será possível manter a autonomia e as especificidades dos cuidados materno-infantiis ou, se pelo contrário, vai haver uma adulteração deste modelo de cuidados.
Pessoalmente, acredito que esta racionalização / concentração de meios irá certamente conduzir ao ”…estabelecimento de parcerias e complementaridades…” permitindo elevar em muito o patamar tecnológico e a oferta de cuidados altamente diferenciados com que todos os nossos Doentes vão beneficiar.
A qualidade do actual modelo de cuidados só será mantida e amplificada se mantivermos a “massa crítica” de Doentes graves e complexos que ao HDE acorrem, quer espontaneamente, quer por referência de outros centros. Este facto torna assim importante e urgente, a definição clara pela tutela de uma verdadeira rede de referência secundária e terciária, que leve a que esses Doentes devam apenas ser tratados onde existem os meios mais adequados e os profissionais treinados para garantir o melhor resultado ajustado ao risco.
Acredito também que o que faz um Hospital Materno-Infantil não são os bonecos mais ou menos coloridos que se pintam nas paredes e nas batas, mas antes um modo “especial” de cuidar e de estar na prática clínica. A evolução recente dos conceitos de arquitectura hospitalar e design de hospitais pode certamente responder à necessidade de manutenção de um “ambiente” pediátrico específico e autónomo, protegendo devidamente a “contaminação” dos cuidados a prestar às crianças e às mães, por parte daqueles que, para tal não se sentem vocacionados ou não estejam habilitados.
Assim atrevo-me a enunciar os valores que devem presidir à integração funcional, que não apenas física “strictu-senso”, de um hospital materno-infantil num centro hospitalar moderno e de elevada concentração tecnológica como se prevê ser o HTS :
1. O primado do Doente e da sua Família, que não poderá ser posto em causa por quaisquer outros interesses.
2. O primado do tratamento do Doente sobre o tratamento das doenças, em ambiente adequado às suas necessidades, promovendo a concentração de recursos e competências numa lógica de processos adequados às necessidades de cada grupo etário.
3. A procura permanente de colaboração e coordenação com os restantes Departamentos e Unidades do CHLC de modo a oferecer o melhor e mais adequado modelo de cuidados a cada Doente.
Salvaguardados estes valores, a manutenção do modelo de cuidados que ao longo dos anos foi desenvolvido e aperfeiçoado no HDE, estará certamente assegurado, tornando suficientemente explícito a todos que este modelo não poderá ser “adaptado” sem o desvirtuar, devendo manter a sua autonomia nas decisões técnicas, influenciando positivamente as decisões de gestão.
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