A estratégia anti-SNS.
Programa de recuperação das infraestruturas hospitalares
Os
argumentos financeiros dominantes e conjunturais de controlo do défice e da
dívida não justificam a destruição definitiva do SNS.
31 de
Janeiro de 2019
O Serviço
Nacional de Saúde (SNS) é uma criação da Revolução de Abril e constitui grande
avanço da sociedade portuguesa: é um fator de coesão social, é um modelo
eficiente de prestação de cuidados de saúde e constitui fator decisivo quanto à
segurança de viver em Portugal. Incumbe prioritariamente ao Estado, que
financia o SNS pelos impostos pagos anualmente pelos cidadãos de acordo os seus
rendimentos, garantir o acesso a todos aos cuidados da medicina preventiva,
curativa e de reabilitação, sempre que deles necessitam e independentemente da
sua condição económica e social. Assim o determina a Constituição da República
Portuguesa (CRP).
Este caráter
socialista do SNS constitui um “pecado” imperdoável pelos ideólogos liberais
gestores de campanhas populistas que arrastam cidadãos sérios e desinformados e
governantes que atuam expressa ou envergonhadamente contra o SNS.
A estratégia
de redução das capacidades do SNS assenta em três pilares: subfinanciamento,
gestão ruinosa de recursos humanos e degradação das infraestruturas.
O
subfinanciamento é uma opção
política que pode ser alterada anualmente pelo Orçamento do Estado.
Os recursos
humanos têm estado
sujeitos a inconstantes opções políticas cujas consequências negativas, através
da desmotivação e sangria dos melhores profissionais, se revelam a médio e
longo prazo. As carreiras, os salários, o prestígio dos serviços públicos e o
planeamento são os instrumentos de gestão em recursos humanos cuja subordinação
ao défice e à dívida têm consequências catastróficas para o SNS, insolúveis a
curto prazo.
Para as
infraestruturas do SNS e para os respetivos ativos não existe uma política de investimento de
substituição para compensar o “consumo de capital fixo”, nem existe uma
política de investimento de inovação e atualização tecnológica e funcional das
instituições. Da ausência de investimento durante e depois do período da troika
resultou a atual degradação das infraestruturas e dos ativos da saúde, cujo
retorno à capacidade inicial exige um esforço financeiro suplementar que não
está a ser efetuado.
Das
infraestruturas hospitalares analisaremos agora apenas a capacidade de
internamento.
A degradação
das condições de internamento nos hospitais de agudos do SNS devida à sobrelotação é sobejamente
conhecida. Analisemos a evolução da oferta de camas de internamento no período
de 2001 a 2
Do quadro
acima apresentado concluímos que, apesar da instalação de 1683 camas em regime
de Parceria Público-Privada (PPP), a lotação dos hospitais de agudos foi
reduzida em 3297 camas. Essa redução teve consequências gravosas nas Regiões do
Algarve, de Lisboa e Vale do Tejo e do Norte, onde as taxas de ocupação subiram
para valores superiores a 90%, que traduzem a realidade da sobrelotação, com
doentes em macas em espaços inadequados.
Da criação
dos centros hospitalares resultou a redução de 3215 camas das quais 2500 até ao
ano de 2012. Esta opção política pelo “emagrecimento” da capacidade do SNS
continua a ocorrer e traduziu-se nos últimos cinco anos na redução de 1018
camas, 741 das quais em centros hospitalares.
Os grupos
económicos que atuam na área da saúde estão atentos a esta política de redução da capacidade
do SNS e por isso mesmo, nos últimos 15 anos, assistimos à intervenção
sistemática e planeada de investimento no “negócio” da
De acordo
com os dados mais recentes do INE – Estatísticas de Saúde, em
2016 existiam 9553 camas em hospitais privados, com aumento de 2223 camas desde
2001. Quatro grupos económicos são proprietários de 2217 camas, que
passarão a 2417 quando abrir o Hospital Cuf Tejo em 2019.
O
crescimento das camas hospitalares privadas daqueles quatro grupos económicos foi
muito acentuado após o ano de 2005, como se pode verificar no gráfico seguinte.
O volume de
negócios anual divulgado pela Associação Portuguesa de Hospitalização Privada
(APHP) atinge valores da ordem de 1,5 mil milhões de euros, potenciados pela
aposta nas tecnologias pesadas – ressonâncias, tomografias computorizadas e
aceleradores lineares – e na progressiva cobertura nacional que estes grupos
desenvolvem não só com hospitais, mas também com uma rede de clínicas. A ADSE
assume papel de grande financiador da atividade privada, tendo em 2017, segundo
Eugénio Rosa, financiado a despesa de 543,9 milhões de euros.
Perante a
continuada redução da oferta pública hospitalar e do reforço constante do
investimento privado em curso na saúde, qual a estratégia pública para o SNS?
Esperamos uma politica de boa gestão e defesa do SNS.
Rever os
projetos dos hospitais do Seixal e de Sintra, designados de “proximidade”.
Foram projetados sem camas de internamento, ao arrepio do previsto no Plano
Diretor Regional de Lisboa e Vale do Tejo (PDRLVT) que lhes atribuía
respetivamente 300 e 350 camas, sobrecarregando os já sobrelotados hospitais
Garcia de Orta e Fernando Fonseca, em clara subordinação a interesses de
privados. Encontra-se em fase de acabamento o Hospital Cuf Sintra, este com
internamento.
Garantir que
as atuais equipas clínicas dos hospitais a substituir pelo novo Hospital
Oriental de Lisboa não se desintegrem e sejam transferidas para o novo
hospital. Este teve o início de atividade varias vezes anunciada desde 2012,
agora com assinatura do contrato prevista ainda em 2018 e abertura para 2023.
Porque nada referido, para o Hospital de S. José previsto no PDRLVT como
hospital de proximidade com 230 camas, iniciar o processo de adaptação às novas
funcionalidades.
Garantir a
construção do novo Hospital de Évora, com 350 camas, cujo projeto foi iniciado
em 2010, agora anunciada pelo primeiro-ministro a atribuição de 40 milhões de
euros para o respetivo arranque. Consta do OE 2019.
Retomar o
estudo da substituição do Centro Hospitalar do Oeste, resultante da fusão do
Centro Hospitalar das Caldas da Rainha e dos hospitais de Peniche, Alcobaça,
Torres Vedras e Barro, conjunto de unidades hospitalares de caraterísticas e
idades muito diversas e de gestão clinica complexa, potenciando baixa qualidade
e elevada ineficiência.
Elaborar
Planos Diretores Regionais para a Região Norte e para a Região do Algarve, com
taxas de ocupação inaceitáveis que denunciam a sobrelotação hospitalar.
Elaborar
Plano Diretor Regional para a Região Centro, uma vez que foi constituído um
Centro Hospitalar com 1800 camas com o risco de encerramento de serviços por
razões alheias à atividade clínica.
Impedir o
encerramento de camas e serviços hospitalares com a centralização no Ministério
da Saude da respetiva autorização e estabelecer a obrigatoriedade de planos
diretores para os hospitais, com destaque para o Hospital de Santa Maria e
Hospital de São João, garantindo um projeto correto de desenvolvimento global.
Criar uma
unidade central de planeamento e programação, com base nos quadros técnicos de
competência comprovada e existentes no âmbito do Ministério da Saúde, nas áreas
de engenharia, arquitetura e outras, pondo fim a uma insuficiência
desestruturante reconhecida de ausência de capacidade de planeamento nacional e
regional. As consequências irreversíveis da opção pela redução da capacidade
das infraestruturas do SNS ficam demonstradas acima e resultam da política
ativa do PSD/CDS e, no mínimo, da cumplicidade do PS. A inversão deste processo
político tem de ser feita agora com um conjunto de medidas em que, entre
outras, se incluem as que acima enumerámos e que, a serem adotadas,
demonstrarão a vontade politica do Governo na defesa do SNS e dos seus
princípios. Os argumentos financeiros dominantes e conjunturais de controlo
do défice e da dívida não justificam a destruição definitiva do SNS.