domingo, 18 de novembro de 2018

Artigo esclarecedor e ao mesmo tempo demolidor sobre as Parcerias Publico Privadas na Saúde e cujo modelo esta a ser implementado no Centro Hospitalar de Lisboa Central com vista a sua futura integração no Futuro Hospital de Lisboa Oriental (PPP) e que culminará com o encerramento do único Hospital Pediatrico de Lisboa...


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Alguns dados das PPP da Saúde na Grã-Bretanha

As Parcerias Público-Privadas ( PPP) têm a sua génese na Grã-Bretanha a partir do modelo das PFI ( Private Finance Initiative).
Os dados referidos neste texto são relativos ao período que decorre até cerca de 2005.
Em breve farei a abordagem dos dados destes últimos 10 anos.
O modelo das PFI foi lançado em Novembro de 1992 pelo
governo conservador britânico de Margaret Thatcher, como um mecanismo para obter financiamento privado que pudesse satisfazer as necessidades políticas para aumentar o investimento nas infra-estruturas sem afectar o orçamento público, garantindo amplos contratos para os consórcios privados e novas oportunidades de investimentos para o capital financeiro.
Sob este modelo, as companhias privadas projectavam, construíam, financiavam e geriam os novos hospitais na base de contratos de 30 ou mais anos, em que o Estado ficava obrigado ao pagamento anual de uma quantia estabelecida a essas companhias.
Estes pagamentos são classificados como rendas, não como capital, e desta maneira não são contabilizados no orçamento público.
O sector público assume o papel de cliente e assegura um fluxo de pagamentos regulares aos prestadores privados de bens e serviços.
Os consórcios privados que se constituem para as PFI englobam empresas de construção civil, bancos, imobiliárias, firmas de arquitectos e advogados, empresas de leasing, de consultoria e de serviços de manutenção.
Entre 1995 e 1997, verificou-se uma “crise” no desenvolvimento das PFI devido a uma acção concertada dos consórcios privados para imporem contratos mais adequados aos seus interesses, face ás exigências de garantias financeiras por parte do Estado.
Assim, as PFI significaram uma natural progressão das políticas económica e de privatização formuladas pelo Partido Conservador durante a década de 1980.
O modelo PFI foi rapidamente aplicado aos vários sectores, abrangendo escolas, hospitais, serviços sociais, vias de comunicação e, até, prisões e esquadras da polícia.
Devido ao crescente desprestígio das PFI e à contestação acrescida que já suscitavam na opinião pública, foram rebaptizadas, no final da década de 1990, de “Parcerias Público – Privado” (PPP). Simultaneamente, esta decisão do governo trabalhista teve também o objectivo de tentar dissimular a sua colagem à política do anterior governo conservador a quem a sigla PFI estava ligada.
A eleição de um governo do Partido Trabalhista, chefiado por Tony Blair, apesar das suas profusas promessas eleitorais de ruptura com os princípios e práticas do governo conservador, nomeadamente no sector da saúde, não se traduziu em qualquer alteração da política seguida, verificando-se, pelo contrário, um aprofundamento dos projectos neoliberais e privatizadores.
O autor da história oficial do NHS, Charles Webster, afirmou que “ o actual governo adopta mais do passado do que admite “.
A confirmar esta apreciação, há que referir as curiosas declarações do então secretário do Tesouro produzidas numa conferência realizada a 16/09/2000 no “Radcliff Infirmary” (Oxford):
“Nós usamos as PFI num sentido diferente do anterior governo. No passado, as PFI foram usadas como um modo de esconder os empréstimos do sector público.
As reformas contabilísticas agora significam que as PFI não podem ser usadas para assumir projectos fora do orçamento público. Nós não usamos as PFI para esconder empréstimos, nós usamo-las porque é muitas vezes a melhor, a mais rápida e mais efectiva forma de prestação de serviços universais publicamente consolidados”.
De facto, é difícil ir mais longe no cinismo político e na grosseira mistificação dos factos objectivos.
Em torno da promoção deste modelo foram apresentados múltiplos argumentos que pretendiam demonstrar a sua maior capacidade de resolução dos problemas existentes a nível dos serviços públicos, nomeadamente:
A privatização tem efeitos benéficos, com a melhoria da produtividade e a economia melhor habilitada para responder à mudança. As melhores privatizações, quando combinadas com mercados competitivos, conduzem à criação de companhias de nível mundial, reduzem os custos e os preços, e melhoram os serviços ao consumidor. O sector privado é mais inovador na construção, manutenção e funcionamento. O sector privado fornece melhor e mais valor para o dinheiro. Cria grandes eficiências e sinergias, resultando em melhores serviços e poupanças. O sector privado investe na qualidade do património. A disciplina do papel do mercado assegura que o sector privado gere melhor os riscos. As PFI são uma parte essencial da modernização dos serviços públicos.
Um documento divulgado pelo “Centre for Public Services”, onde eram também apresentados estes documentos, abordou diversos aspectos que justificam a rejeição do modelo PFI/PPP, tornando-se importante referir algumas das suas apreciações:
As PFI/PPP reconfiguram os serviços e afectam todo o pessoal. O afastamento do Estado da propriedade e gestão da infraestrutura tem profundas implicações para os serviços centrais. As PFI/PPP criam divisões artificias entre serviços centrais e de suporte. Uma vez estabelecido o controlo da gestão operacional das instalações pelo sector privado, este estará numa poderosa posição para influenciar as políticas de prestação de serviços. O sector público é crescentemente marginalizado e torna-se residual.
Apesar do desenvolvimento de grandes hospitais, 12 dos 14 projectos PFI/PPP da primeira fase implicaram uma redução média de 32% do número estabelecido de camas de casos agudos. As PFI/PPP são repetidamente mais caras do que os projectos financiados pelo sector público. O governo pode emprestar dinheiro a taxas de juros mais baixas do que o sector privado. As PFI aumentam o custo da construção dos hospitais.
Os custos totais do projecto (custos de construção e de financiamento), numa amostra de projectos hospitalares, eram entre 18% a 60 % mais elevados do que somente os custos da construção (exos: North Durham - 60%; Norfolk-49,1%; Browley - 35,8%; Greenwhich - 30,8%). Os custos de viabilidade das PFI/PPP (o reembolso dos custos de financiamento e de construção) eram entre 11,2% e 18,5% dos custos de construção, em contraste com os 3% a 3,5% dos juros anuais dos projectos financiados publicamente. A intensificação dos custos é uma característica comum das PFI/PPP. Os primeiros projectos PFI de hospitais tiveram um aumento médio dos custos de 69%.
O custo do novo hospital “Worcester Royal Infirmary” aumentou 118% entre 1996 e 1999. Qual o “ valor para o dinheiro “?
O “Carlisle Hospital “ está referido com 1% de poupança e o “North Durham Hospital “ sem qualquer poupança em relação aos custos do chamado “comparador do sector público”. Os projectos PFI/PPP comprometem futuros governos numa torrente de pagamentos.
Os contratos PFI/PPP comprometem as entidades públicas em pagamentos de rendas por períodos entre 25 a 35 anos.
O impacto cumulativo dos reembolsos de pagamentos às PFI/PPP significará para os futuros governos que poderão ter de aumentar os impostos, impor pagamentos para os serviços actualmente gratuitos, reduzir empréstimos para financiar os restantes serviços públicos ou cortar despesas em serviços não abrangidos por estes projectos. Esta situação deixa uma pequena proporção do orçamento para distribuir pelos outros serviços não abrangidos pelas PFI/PPP, limitando, assim, a capacidade das autoridades para responder ás mudanças das necessidades sociais e às prioridades. Três hospitais locais foram encerrados para ajudar a financiar o “Dartford and Gravesham PFI Hospital”. Como os projectos PFI/PPP são, todos eles, pagos a partir dos orçamentos públicos, isto significa que estes necessitam de ser aumentados para suportar a despesa adicional. A entidade “Accountantes Chantrey Vellacot “, estimou que o sector privado tem um custo mais elevado que os empréstimos do sector público,
num adicional de 50 milhões de libras por cada bilião de libras dos contratos PFI.
O “Dorset Police Authority PFI Project” foi aprovado, em Maio de 1998, pelo Home Office com um crédito de 12,4 milhões de libras, e 5 meses depois o crédito tinha aumentado para 24,2 milhões de libras. Existem elevados custos de transacção. Como cada parte negocial tem grandes equipas de consultores jurídicos, financeiros, de gestão e outros, as remunerações são substancialmente superiores às que enfrentam a prova do mercado. Os custos das consultorias nos primeiros 15 hospitais PFI foram de 45,2 milhões de libras, as quais consistiram em 20,4 milhões de libras de pagamentos a advogados, 14,6 milhões a consultores financeiros e 10,2 milhões a consultores de gestão e outros.
Os pagamentos a consultores representam entre 2,4% e 8,7% do custo de capital destes projectos.
Os custos do tempo de trabalho do pessoal do sector público no desenvolvimento dos projectos PFI e os custos dos processos de aquisição são raramente contabilizados no cálculo. “ Comparador do Sector Público“ é deficiente.
A determinação do “comparador do sector público” consiste em proporcionar um ponto de referência para calcular o potencial “valor do dinheiro” oferecido pelo projecto PFI.
Trata-se de um processo aberto à manipulação porque as equipas dos projectos PFI querem mostrar “valor para o dinheiro” e podem apresentar exagerados benefícios desta opção, subestimando frequentemente o seu custo completo.
Os custos são estabelecidos sem evidência para os suportar e não surpreende que o “comparador do sector público” mostre, regularmente, os projectos PFI a fornecer “valor para o dinheiro”.
O “comparador do sector público” foi descrito como uma invenção, artificial e preconceituoso.
Existe evidência que as opções pelo sector público são construídas para as mostrar com uma visão negativa.
O “comparador do sector público” assume, frequentemente, o pior cenário para os cálculos do sector público, estimando possíveis ultrapassagens de custos de construção e atrasos. Pode incluir estimativas de custos para riscos, os quais são actualmente transferidos nos contratos PFI. Por exemplo, o “comparador do sector público” para o “Cumberland Infirmary PFI”, em Carlisle, incluiu cerca de 5 milhões de libras para pagar o risco de poupanças em objectivos clínicos não apresentados e 2,5 milhões de libras para litígios médicos.
Nenhum risco foi transferido, mas o custo líquido da opção pelo sector público foi inflacionado em 7,2 milhões de libras. Os negócios de terrenos e de propriedades são uma parte fundamental dos projectos PFI/PPP, proporcionando ao consórcio privado desenvolver excedentes de terrenos e instalações para uso comercial e residencial. Os projectos PFI recebem os mesmos subsídios que os serviços públicos.
Os créditos para as PFI cresceram de 250 milhões de libras em 1997/98 para 800 milhões de libras em 1999/2000. A gestão do risco tornou-se uma indústria rentável, agrupando diferentes tipos de risco e criando novos mercados de seguros. Ausência de responsabilidade democrática.
As companhias privadas são responsáveis somente perante os accionistas.
O Estado e os contratantes privados estão em conluio para proteger os direitos da propriedade intelectual, usando a confidencialidade comercial para minimizar a divulgação, a participação, a avaliação dos negócios e a responsabilidade pública. É comum verificarem–se atrasos nos projectos, custos excedidos e falhas nos serviços e na transferência de riscos. O sector público perde o controlo sobre os bens e serviços. O sector privado dita as necessidades públicas e sociais. O processo laboral é transformado em “trabalhadores de 2 níveis” (two-tier workforce). Verificam-se empregos perdidos, e diminuição dos salários e dos direitos laborais. As etapas-chave dos processos PFI/PPP têm lugar à porta fechada sob o manto da “confidencialidade comercial”.
Outro documento emitido pela UNISON, importante organização sindical britânica da administração pública que está filiada colectivamente no Partido Trabalhista, apresentou as 7 razões porque as parcerias público–privado não melhoram os serviços públicos.
Do conteúdo deste documento, importa destacar as seguintes referências:
O serviço público não pode ser comparado com outras mercadorias. Ele não tem como objectivo o lucro, mas antes suportar o bem–estar social, económico e ambiental das comunidades. A força impulsionadora que está por detrás das PFI não é a melhoria dos serviços públicos, mas antes a vontade do governo em reduzir a dívida pública.
A PFI foi inventada por um governo que tinha perdido o controlo da dívida pública. Os projectos PFI são mais dispendiosos que os projectos públicos.
O sector privado tem inevitavelmente de pedir empréstimos a taxas superiores. Também gasta mais dinheiro em honorários com advogados e consultores.
Com frequência as PFI ultrapassam os custos inicialmente previstos, o que torna os projectos privados mais caros para as entidades públicas contratantes.
Isto significa que o défice é frequentemente enfrentado através de reduções na capacidade dos serviços, de subsídios desviados de outros orçamentos públicos e a cortes nas despesas laborais.
Os contratos privados tendem a fazer poupanças através de reduções dos salários e cortes nos empregos, com as mulheres a sofrerem mais com a privatização. Existem 2 níveis de mão-de-obra com termos e condições mais desfavoráveis para os trabalhadores com menos tempo de serviço.
A existência de múltiplos acordos de trabalho, com diferentes termos e condições, aumentam os custos administrativos das empresas. Existem muitas afirmações de que o sector privado é mais eficiente do que o sector público, mas não existe qualquer evidência que suporte isto.
As PFI não produzem melhorias nos prazos e custos que foram inicialmente previstos, nem tão pouco cumprem os padrões de qualidade.
Em Dartford e Gravesham, por exemplo, um hospital PFI aberto em Junho de 2000 cancelou imediatamente toda a cirurgia de rotina. As PFI /PPP não dão “valor para o dinheiro”.
Quando são analisados comparativamente, os esquemas PFI aumentam o tempo de prestação do serviço e excedem as despesas em relação aos projectos do NHS, dando a impressão de constituírem melhor “valor para o dinheiro”. As companhias privadas obtêm lucros inaceitáveis.
Os lucros das PFI ultrapassam, em muito, o risco assumido. As companhias privadas obtêm enormes lucros à custa do sector público. Os principais riscos transferidos para o sector privado dizem respeito à fase de arranque do projecto, riscos estes que desaparecem numa fase precoce do mesmo.
No entanto, os riscos são negociados como se fossem distribuídos durante toda a duração do contrato, o que o torna muito lucrativo para os contratantes poderem refinanciar os projectos.
Os cálculos do risco são arbitrários e duvidosos.
Em 1999, o Comité de Saúde da Câmara dos Comuns publicou um relatório bastante crítico para as PFI, onde referiu que “lamentamos a transferência do pessoal subordinado para o sector privado, que é actualmente uma consequência das PFI. A frequente divisão espúria do quadro de pessoal em grupos clínico e não clínico pode criar um apartheid institucional, o qual será prejudicial para a moral do pessoal e para os doentes. Nós pensamos que o Governo deverá limitar as PFI a um número de esquemas – piloto, até que uma correcta avaliação do impacto no pessoal e nos cuidados prestados aos doentes seja produzida”.
Um editorial do “British Medical Journal” (BMJ), em 1999 afirmou que as iniciais PFI significavam “pérfida finança idiota”.
No seu texto, considerou que a PFI é uma política de “fumos e espelhos” que pode destruir o NHS, e que era necessário acordar para as profundas implicações das PFI antes que seja demasiado tarde.
Denunciou também que a PFI é apresentada como usando dinheiro privado para pagar a exploração das infraestruturas que são necessárias aos serviços públicos, mas que se trata de um pagamento “morto” através do orçamento
público.
Outros aspectos abordados neste editorial foram os seguintes: Os esquemas PFI produzem mais problemas que soluções, pela simples razão de que o capital privado é sempre mais caro que o capital público Uma das vias para garantir um lucro substancial é através da redução da capacidade proposta para os novos hospitais e de menos pessoal. As PFI conduzem inevitavelmente a um aumento do sector privado e dos encargos para os utentes, na perspectiva de reduzir o NHS a um serviço sem importância destinado aos pobres. Está criado um quadro generoso para a corrupção, em que os ingredientes são as grandes somas de dinheiro público, tomadas de decisão fechadas, inadequada responsabilidade, e assessores que saltam do sector público para o privado e vice-versa. O eleitorado quer a modernização do NHS e não a sua destruição.
O impacto negativo deste modelo e a consequente contestação que tem suscitado, são acompanhados por uma vasta e diversificada bibliografia onde são abordados os múltiplos aspectos que decorrem da sua implementação.
Os consórcios privados envolvidos nos esquemas PFI sobrecarregam as taxas equivalentes do NHS em 11,2 a 18,5% dos custos de construção, e os seus accionistas obtêm um rendimento de 15% a 25% anuais.
Se o Tesouro Público financiasse directamente os novos hospitais com os seus próprios empréstimos, pagaria uma taxa real de juros anuais entre 3 a 3,5 %.
Os cálculos do “valor do dinheiro“ exploram o facto de sob a aquisição pública todos os custos de desenvolvimento de um hospital serem pagos nos primeiros anos, enquanto sob a iniciativa privada são distribuídos durante 25 a 30 anos.
Com as PFI é aplicado o princípio de “compre agora, pague depois”, principio este que é amplamente usado no sector privado para maximizar o lucro dos accionistas.
Os cálculos económicos assumem, desde o início, aquilo que é necessário provar: a vantagem económica do financiamento privado. Nesse sentido, é aplicado um desconto de 6%, numa decisão puramente politica, para favorecer o sector privado e tornar obscura a sua característica central: o mais alto custo do capital.
Na avaliação do financiamento da iniciativa privada todos os custos têm o “risco ajustado”, que visa fazer uma comparação dos custos entre as opções privadas e o sector público, efectuando cálculos entre riscos que sob a aquisição do sector público ele transporta em si mesmo, mas que sob a iniciativa privada são pagos a outro agente para os suportar.
Como o método do “valor para o dinheiro” implica um desconto de custos em 6%, o custo do risco é efectivamente contabilizado no dobro.
No Hospital de Carlisle, como já vimos, um dos riscos hipoteticamente transferido foi que os objectivos de poupanças dos custos clínicos poderiam não ser cumpridos, tendo o custo deste risco sido estimado em 5 milhões de libras.
No entanto, o consórcio privado não teve qualquer responsabilidade para
assegurar que estas poupanças eram feitas e não foi obrigado a pagar qualquer multa. Deste modo, o consórcio obteve 5 milhões de libras adicionais com fundamentos completamente falsos.
A maior parte do risco supostamente transferido relaciona-se com o período de construção, os primeiros 3 a 5 anos, relativamente à fase operacional nos subsequentes 25 ou 30 anos.
Os exemplos principais de riscos envolvidos neste processo dizem respeito a eventuais ultrapassagens dos custos de construção, a aumentos dos custos previstos de manutenção, a supostas alterações sobre o modo como o edifício vai ser usado e a alterações na procura dos serviços prestados.
Um relatório da responsabilidade de “Artur Andersen and Enterprise, LSE”, divulgado no início de 2000, que tem sido frequentemente usado por ministros britânicos, apresentou 2 conclusões principais: a PFI é 17 % mais barata que os projectos convencionais com fundos públicos; 60 % destas poupanças resultam da transferência de riscos.
Apesar de toda a retórica política e ideológica em defesa dos negócios PFI, torna-se óbvio que se trata de uma forma de um governo adiar a despesa pública, embora a custos muito mais elevados. Ou para utilizar uma expressão muito difundida neste país, “sob a PFI o NHS paga mais por menos”.
O recurso ás PFI conduziu à situação de toda a infraestrutura pública ter estado parada, mantendo muitas características anteriores á existência do NHS e significando uma proporção anterior à 1ª Guerra Mundial.
O investimento líquido no sector público, sob um governo do Partido Trabalhista, foi de 5,8% do PBI em 1974/75, até baixar para um insignificante 0,4% de 1988 a 1999.
Como refere o documento do “ Centre for Public Services”, os defensores das PFI argumentam que a linha divisória entre os sectores público e privado é arbitrária e que o primeiro, trabalhando isoladamente, pode não conseguir o tipo de resultados que os cidadãos querem. Ora, esta posição ignora a realidade económica, dado que quanto mais serviços o sector privado presta, mais quer prestar. Por outro lado, o documento chama a atenção para o facto da diversidade de prestadores não conduzir necessariamente à melhoria dos serviços públicos.
Esses defensores consideram também que a competição é a solução mais efectiva para a obtenção de serviços públicos e que maximiza a inovação e eficiência. Ora, a competição entre os 2 sectores não se coloca a um nível desportivo, devido aos seus diferentes valores e sistemas de funcionamento.
O processo negociado de obtenção dos contratos PFI/PPP significa que os interesses privados, protegidos pela capa da “confidencialidade comercial”, podem assegurar a sua prioridade relativamente às necessidades sociais e ao interesse público.
A então direcção do Partido Trabalhista introduziu uma dimensão ideológica adicional ao afirmar que necessita de adoptar as PFI tendo em vista salvar o sector público.
Esta tese é construída em torno das suposições que os serviços públicos podem ser parcialmente privatizados e que esta nova “economia mista” ou a chamada
“diversidade de prestadores” é viável e sustentável, bem como que a gestão pelo sector privado para a prestação de serviços públicos não constitui privatização porque os bens retornarão para o sector público.
A própria Comissão Especial de Inquérito da Saúde da Câmara dos Comuns, num relatório publicado em Maio de 2002, considerou que muitos dos benefícios afirmados pelas PFI não estão provados, que as transacções têm de ser mais transparentes, e que o National Audit Office, entidade pública de fiscalização, deve investigar se os índices do “comparador do sector público”, usados para calcular se um esquema PFI traduz “valor para o dinheiro, foram manipulados em favor da iniciativa privada.
Em Julho de 2002, um relatório da Comissão das Contas Públicas do Parlamento britânico, presidida pelo deputado conservador Edward Leigh, concluiu que os projectos PFI necessitavam de uma melhor avaliação após os contratos serem assinados para assegurar a qualidade dos serviços e “valor para o dinheiro”.
No entanto, a realidade então existente demonstrava que dos mais de 400 contratos PFI, no valor total de 156 biliões de euros, somente cerca de metade deles tinham alguns mecanismos para avaliar o “valor para o dinheiro” durante a sua duração .
O “Centre for Public Services”, noutro documento divulgado com o título “The private finance in the NHS”, formulou as seguintes denúncias:
Os custos dos contratos PFI são muito superiores aos inicialmente previstos, verificando-se um aumento médio de 72%. Os custos das negociações destes contratos foram estimados em 7 vezes superiores aos do orçamento público tradicional. Os novos hospitais PFI têm menos 20 a 40% das camas relativamente aos hospitais que foram por eles substituídos. As autoridades de saúde para poderem pagar as PFI têm cortado nas verbas destinadas à saúde infantil, aos deficientes e noutros serviços de carácter social. Ao longo do contrato, o consórcio privado pressiona para que todoo pessoal, incluindo médicos e enfermeiros, sejam seus empregados. Os esquemas PFI estão cobertos de secretismo.
A confidencialidade comercial é o pretexto usado para impedir qualquer informação às várias organizações sociais.
Um grupo de economistas da Universidade de Londres, dos quais a mais conhecida é a Prof.ª Allyson Pollock, elaborou um documento de resposta, em Novembro de 2001, a um relatório do “Institute for Public Policy Research”, destacando-se as seguintes questões:
A metodologia para calcular o valor do risco transferido é muito subjectiva.
Na prática, o pessoal trabalha acrescidamente para cumprir os objectivos de produtividade e a qualidade dos serviços irá deteriorar-se com cortes nos serviços mais dispendiosos. Os custos com salários diminuiu de 72% em 1977 para 38% em 1999. Os pagamentos anuais estimados somente para os negócios PFI já assinados variam de 2,9 biliões em 2000/2001 para 4,5 biliões de libras em 2004/2008. O sector privado tem obrigações para os investidores que são prioritárias sobre as obrigações sociais para os utentes, e o sector público está motivado para a responsabilidade social. A evidência demonstra que os operadores lucrativos dos hospitais prestam cuidados de qualidade inferior, têm custos administrativos mais altos, prestam tratamentos mais caros e inapropriados e são técnica e prestativamente menos eficientes. Em 2000, uma comissão do Parlamento australiano recomendou que “nenhuma nova privatização de hospitais públicos pode ocorrer até que uma profunda investigação nacional seja conduzida e que alguns benefícios para os doentes possam ser demonstrados por este modelo de prestação de serviços”. Quando os contratos falham não há qualquer informação no domínio público, nem multas deduzidas nos pagamentos públicos ou rescisão dos contratos. A evidência mostra que a utilização das PFI em hospitais aumentou a inflexibilidade e a rigidez, diminuiu a diversidade, diminuiu o acesso e falhou no cumprimento das necessidades públicas de cuidados de saúde. As PFI têm conduzido a uma redução dos serviços públicos. Os aumentos dos custos são pagos pela redução de serviços. O custo do capital, como percentagem da receita, nas seguintes unidades de saúde, antes e depois das PFI:
Norfolk e Norwich – 0,7% (antes da PFI) – 18,9% (depois da PFI)
South Tees Acute Hospitals – 3,9% (antes da PFI) – 10,0% (depois da PFI)
Dartford e Gravesham – 7,5% (antes da PFI) – 27,2% (depois da PFI)
Greenwhich Healthcare – 3,7% (antes da PFI) – 13,3% (depois da PFI)
Swindon e Marlborough – 3,3% (antes da PFI) – 14,3% (depois da PFI)
Bromley Hospitals – 7,0% (antes da PFI) – 10,7% (depois da PFI)
Calderdale Healthcare – 3,0% (antes da PFI) – 11,3% (depois da PFI)
North Durham Healthcare – 2,9% (antes da PFI) – 9,9% (depois da PFI)
Os novos hospitais PFI implicam redução do número de camas de casos agudos e encerramento de outros hospitais e serviços.
Os primeiros 14 hospitais PFI implicaram a redução de 33% das camas existentes.
Desde 1997, o NHS eliminou 12.000 camas, a maior parte delas para pagar as PFI. O “Royal Edinburg Infirmary”, no esquema PFI, implicou a venda de terrenos e outros bens, a redução de 33% no número de camas e 13 milhões
de libras de diminuição dos custos em pessoal clínico (médicos e enfermeiros).
Quando o hospital abrir terá cerca de 25% menos no número de trabalhadores, grande parte deles sem formação e não especializado.
A nível dos médicos a redução é de 8,2% e nos enfermeiros de 14%. No “Worcester Royal Infirmary” foram eliminadas 219 camas, de modo a libertar 7,2 milhões de libras de receitas para pagar o novo hospital. Tem 1/3 do número de camas de casos agudos da média nacional.
Terá menos 32% do pessoal auxiliar e 17% menos no número de enfermeiros, devido aos custos adicionais da PFI. O governo britânico antecipou na altura que as empresas privadas de cuidados de saúde iriam controlar cerca de 75% do Orçamento do NHS em 2004.
Embora tenham sido efectuadas anteriores referências a exemplos concretos de PFI, existem outros aspectos relativos a este modelo que permitem ter uma noção mais precisa das suas implicações práticas.
Um relatório da Universidade de Londres, apresentado em 2000 e tendo como autores Allyson Pollock, David Price e Mattew Dunningan, denunciou que o esquema PFI do hospital “Worcester Royal infirmary” deixará este condado com um dos níveis mais baixos a nível do país em termos de capacidade hospitalar e que o aumento de 118% do custo deste hospital foi devido, em grande parte, aos custos adicionais de financiamento, que não se teriam verificado sob a opção do sector público.
A construção deste hospital PFI levou ao encerramento de outras unidades da sua área geográfica, nomeadamente do “Hospital Kidderminster”, com uma diminuição global de camas em torno dos 50% e obrigando muitos doentes a percorrerem dezenas de quilómetros para terem acesso aos cuidados prestados na nova unidade.
O “Carlisle Hospital PFI” envolveu a substituição do “Cumberland Infirmary”, do “City General” e da “City Maternity Hospital”.
Os seus custos duplicaram entre 1993 e 1997, passando de 41 milhões para 88 milhões de libras, dos quais 17 milhões de libras representaram o custo resultante de contrair o financiamento PFI. Esta última verba não seria paga se o hospital tivesse sido construído pelo sector público.
Como o consórcio PFI recusou incluir no acordo todo o equipamento hospitalar, foram requeridos, pelo menos, 4 milhões de libras de investimento público adicional. O contrato assinado mostra também que o governo assumiu a responsabilidade por todas as dívidas que o consórcio PFI vier a registar.
Por outro lado, verificou-se uma redução de 29% do pessoal e as poupanças de custos com o pessoal clínico (médicos e enfermeiros) atingiu 2,6 milhões de libras.
saúde.
A construção do novo hospital PFI “Pinderfield Hospital”, implicou o encerramento das 3 unidades hospitalares existentes naquela zona geográfica e
determinou uma importante redução do número de camas em torno dos 24%.
Os consórcios PFI apresentaram cortes de 40%, em média, das camas hospitalares em Hereford (de 414 para 250) e em North Durham (de 750 para 450).
Em Edinburgo, o novo hospital PFI determinou a eliminação de 500 das 1300 camas anteriormente existentes e uma redução para metade dos 6000 postos de trabalho.
O “Swindon’s Princess Margaret Hospital” foi o primeiro estabelecimento a ser construído pelo NHS, em 1958. Em 2002, foi substituído pelo “Great Western Hospital”, construído através de um contrato PFI e localizado a vários kilómetros de distância.
Os custos iniciais deste projecto passaram de 45 milhões de libras para 148 milhões de libras, num aumento de 229%.
As 687 camas existentes antes da PFI passaram para 589 no projecto do novo hospital, das quais só 483 foram implementadas.
Os corredores dos quartos de internamento estão frequentemente bloqueados com materiais, porque não existe espaço próprio de armazenamento. E não existem casas de banho próprias para os trabalhadores, nem com separação de sexos.
O parque de estacionamento do hospital é pago pelos trabalhadores, o que constitui uma dedução nos respectivos salários .
A redução acentuada do número de camas hospitalares, tem colocado delicados e preocupantes problemas sociais e humanos em várias regiões da Grã-Bretanha, nomeadamente uma grande pressão para altas prematuras. Na região de West Midland a capacidade de internamento hospitalar entrou em crise, e em Setembro de 2001 não existiam camas disponíveis em Gloucester, Herefordshire, Redditch, Selly Oak, Solihull, Edinburg, Durham, Carlisle e Norwich.
O estudo do caso do hospital de North Durham, também demonstrou que a PFI é muito dispendiosa e que conduz a reduções dos orçamentos clínicos, de modo a garantir retornos aos accionistas de aproximadamente 20% anuais.
De uma forma geral, os edifícios hospitalares construídos pelas PFI apresentam problemas estruturais e de concepção do projecto, com múltiplas queixas sobre os sistemas de combate a incêndios, em que, por exemplo, as portas não possuem mecanismos retardados para as manter abertas durante a evacuação dos doentes, bem como queixas relativas à exiguidade de espaço e à falta de ventilação adequada.
Apesar de todas as evidências nesta matéria, o então secretário de estado da saúde Alan Milburn afirmou na Câmara dos Comuns, em 15/2/2001, que “…globalmente estes novos hospitais fornecerão 3000 camas adicionais ao número actual. De facto, em cada um destes estão agora planeados desenvolvimentos de mais camas e não de menos”.
O mesmo secretário de estado, fez posteriores declarações sobre a redefinição do NHS referindo: “… mudando de um sistema monolítico, com funcionamento centralizado, e de um prestador monopolista para um sistema onde os diferentes prestadores de cuidados de saúde (público, privado,
voluntário e não lucrativo) trabalhem para valores comuns, padrões comuns e com um sistema de fiscalização… Isto é a moderna definição de NHS” .
Também na Escócia, o então ministro da saúde, Sam Galbraith, referindo-se ao novo hospital PFI “Edinburg Royal Infirmary”, insistiu que o projecto possuía um bom valor, mesmo embora ele tenha custado 900 milhões de libras quando estava inicialmente estimado em 192 milhões de libras.
Nas eleições de 1999, o Partido Democrático Liberal e o Partido Nacional Escocês acusaram o governo de estar a desperdiçar o dinheiro público. O então líder do Partido Nacional Escocês, John Swinney, dirigindo-se à conferência anual deste partido, em 27/9/2002, assumiu o compromisso de acabar com as PFI e acusou a política do Partido Trabalhista de “terrível destruição privatizadora”. Enunciou ainda o princípio “as pessoas antes do lucro”.
Já em Fevereiro de 2001, o Partido Nacional Escocês tinha apresentado planos para substituir as PFI/PPP por entidades sem fins lucrativos, considerando que os seus custos carregavam os contribuintes de forma furtiva, obrigando o Estado a programas de reembolsos que duram décadas. Andrew Wilson, “ministro sombra” das finanças neste partido, afirmou, então, que sob o Partido Trabalhista, a Escócia era a capital PFI da Europa, consignando 5 vezes mais dinheiro em negócios semelhantes do que a média da Grã-Bretanha.
Foi ainda denunciado que os custos para os contribuintes são enormes, com o governo já comprometido em 7 biliões de libras de pagamentos para projectos com um valor de capital de somente 2,5 biliões de libras.
A contestação a este modelo envolveu diversas individualidades, organizações sociais e importantes sectores do próprio Partido Trabalhista.
A conferência anual da Associação Médica Britânica, realizada em Belfast, em Julho de 1999, criticou duramente as PFI e exigiu o seu abandono, tendo alertado para o facto que “o público necessita de compreender que as PFI conduzem a menos camas, a menos pessoal e a altos custos”.
Na conferência desta organização realizada no ano seguinte em Oxford, Setembro de 2000, o seu então presidente, Sir Chistopher Paine, afirmou que “a propriedade e o funcionamento em mãos comerciais de todos os novos hospitais construídos, dará ao sector privado uma influência inaceitável sobre as políticas governamentais e ameaça a continuação do NHS como um universal e equitativo serviço de saúde”.
Neste mesmo mês, realizou-se, em Glasgow, o congresso das “Trade Unions” que aprovou por unanimidade uma moção acusando o Partido Trabalhista de disseminar uma cultura de privatização, usando as PFI .
Em Junho de 2001, um grupo de signatários do mundo académico, que incluíam Sir Douglas Black, ex-presidente do Royal College of Physicians, e George Davey Smith, professor da Bristol University, afirmou que o Partido Trabalhista estava a preparar a privatização em larga escala dos serviços de saúde, e que os esquemas PFI provocavam défice de camas e cortes orçamentais. O então secretário de estado da saúde, Alan Milburn, contestou estas críticas, afirmando que as camas hospitalares iriam aumentar.
A nível do Partido Trabalhista, um crescente número de membros influentes inseriu-se na contestação às PFI, nomeadamente Roy Hattersley, antigo leader
dos deputados, que num artigo publicado na revista “Public Finance”, no início de Outubro de 2002, considerou o uso governamental das PFI como “uma extravagância desconcertante”.
Dias depois da publicação deste artigo, realizou-se a conferência anual do Partido Trabalhista, onde foi aprovada uma moção contra as PFI com o voto favorável de 67% dos delegados.
Matérias tão delicadas como esta e que estão no centro de políticas antissociais, exigem abordagens mais detalhadas e bem sustentadas em dados concretos, o que torna os textos mais longos.
Se não tivermos essa abordagem mais detalhada logo aparecerão alguns a dizer que se tratam de meros preconceitos ideológicos.
Aliás, um dos últimos recursos argumentativos de certos sectores político-económicos é apelidar de preconceito ideológico quando se faz a defesa mais empenhada do nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS) como se eles não estivessem a fazer mera ideologia quando elaboram exigências privatizadoras.
Como no nosso país temos vários exemplos de PPP em hospitais, importa conhecer o modelo e opor-lhe uma gestão pública de qualidade e responsabilizante.
Mário Jorge Neves
Médico
15/11/2017