Manifesto
Os signatários constitueem a totalidade dos
Directores das Áreas Clínicas, e Responsáveis de Especialidade do Centro
Hospitalar Universitário de Lisboa Central, herdeiro directo dos Hospitais
Civis de Lisboa, criados em 1913. Nos Hospitais que constituíram esse grupo funcionaram
a Régia Escola de Cirurgia de Lisboa (1825) a Escola Médico – Cirúrgica de
Lisboa (1836) o primeiro Hospital Pediátrico do país (Hospital de Dona
Estefânia 1877) a primeira Maternidade construída de raiz (Maternidade Dr. Alfredo
da Costa 1932), e o mítico Banco de S José, aberto ao público desde há 500 anos,
e durante séculos o único responsável pela assistência médico-cirúrgica de
urgência em Lisboa e na quase totalidade do sul do país. Pode, pois, dizer-se
que os Hospitais Civis de Lisboa foram o berço da Medicina, da Cirurgia, da Pediatria
e da Obstetrícia portuguesas.
Ao longo destes últimos anos alertámos através de cartas e ofícios,
dirigidos às estruturas hierárquicas, para os constrangimentos vários que
impediam a realização da nossa principal função : assistência de qualidade aos
doentes que nos procuram. A ausência sistemática de respostas cabais aos nossos
pedidos, fazem-nos sentir ser chegado o momento de trazer à consideração
superior e ao conhecimento público o seguinte:
1.
É por todos os
signatários, e por largo consenso, hoje reconhecida a elevada degradação das
condições de trabalho no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC).
Degradação que envolve a dotação de pessoal médico, de pessoal técnico e de
enfermagem, a disponibilidade de material de consumo, a introdução de
equipamento especializado, o investimento na inovação, e a mera logística para o normal exercício
profissional. O trabalho diário passou a gestão permanente de crises.
2.
Entendem
estes responsáveis médicos do CHULC estar agora seriamente comprometida a sua
dupla capacidade de prestação
assistencial e de treino médico. Ambas componentes essenciais, quanto
indissociáveis do seu mandato profissional
e integrantes do contrato entre a
Profissão e a Sociedade - materializadas nos valores do Profissionalismo Médico.
3.
Esta
degradação tem vindo a instaurar-se ao longo dos últimos anos, assumindo
diversas matizes, tais como a progressiva perda de autonomia na gestão, a
incapacidade de influenciar o desenvolvimento tecnológico dos serviços ou, mais
recentemente, a capacidade de reter talentos
profissionais emergentes. Este facto
afecta o presente, e compromete gravemente o futuro.
4.
Acham os
signatários ser seu dever, no âmbito do mandato de advocacia da Saúde, e no
primado da defesa dos doentes, vir agora
a público denunciar esta grave situação, situação que compromete já hoje a segurança clínica, e não menos compromete a capacidade formativa dos que, por nós
ensinados, deveriam assegurar a nossa própria continuidade. Esta é também uma inalienável responsabilidade Hipocrática.
5.
É que para
além da deterioração das condições de trabalho acima referidas, com riscos para
quem mais interessa, os doentes, esta situação comprometerá no curto prazo a capacidade assistencial, levando ao
encerramento de serviços, a começar pelos das diversas Urgências que o Centro
Hospitalar disponibiliza, por falta de condições mínimas, ou ausência mesmo de
quaisquer condições de elementar segurança para o seu normal funcionamento. É
que se contam já por muitas, as valências altamente diferenciadas, hoje perdidas pelas mais diversas
especialidades. De forma silenciosa, mas com prejuízo insubstituível para os
doentes e para a Sociedade.
6.
Num tempo em
que as palavras duram o tempo que soam e valem pouco mais do que isso, acham os
signatários deste manifesto ser seu dever ético, pessoal e profissional, alertar
agora para a gravidade das condições de trabalho no CHULC, condições que a todos
afectam hoje, e que comprometerão amanhã o futuro que é de todos.
Para que conste e para que se saiba, e para que
possam, se for ainda tempo, vir a ser melhoradas... Mas também para que
não se diga que ficámos silenciosos, que fomos cúmplices desta clamorosa
destruição do Serviço Nacional de Saúde, um Serviço que tantos brandem como
bandeira, mas que, outros tantos, senão os mesmos, por inacção ou omissão,
conduzem à implosão.
Lisboa, CHULC, Janeiro de 2019