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MENSAGEM DE BOAS VINDAS
O Congresso Multiprofissional do Hospital de Dona Estefânia, integra-se nas comemorações dos 140 anos da inauguração do primeiro hospital pediátrico do País, a 17 de julho de 1877.
Muito embora seja um Congresso científico comemorativo da importância científica do Hospital de Dona Estefânia enquanto espaço de formação de inúmeros profissionais, pretendemos que o Congresso seja também uma forma de promover e valorizar a criança enquanto representante de um futuro comum.
É nosso entendimento que todos os profissionais que se dedicam á criança partilham uma mesma dedicação na promoção da saúde e felicidade da criança e da família, e daí a naturalidade da inclusão, neste Congresso de todas as áreas profissionais do Hospital de Dona Estefânia.
Para além disso sentimos igualmente, como nossos colegas e amigos, todos os que incorporam a saúde infanto-juvenil como um espaço comum de desenvolvimento e estamos seguros que a partilha de diferentes saberes, técnicos e sociais representam a visão holística desejável na abordagem da saúde bio-psico-social de todos nós.
É assim, com o maior prazer e expectativa que os convidamos a partilhar connosco, a vossa presença e conhecimentos, no Congresso Multiprofissional e Comemorativo dos 140 anos do Hospital de Dona Estefânia.
Bem vindos.
Bom trabalho
Bom trabalho
Lisboa, 26 de Junho de 2017
Pela Organização do Congresso
(João Falcão Estrada
(João Falcão Estrada
TEXTO DO PROFESSOR JOÃO M. VIDEIRA DO AMARAL O PRESIDENTE DO CONGRESSO........PARA OS QUE AINDA TEM DUVIDAS SOBRE A IMPORTÂNCIA DA EXISTÊNCIA DOS HOSPITAIS PEDIATRICOS......
O Hospital de Dona Estefânia, a Pediatria Nacional e o Futuro
Foi no ano de 1968 que iniciei as minhas vivências da Pediatria no Hospital de Dona Estefânia (HDE). Vivências que, na minha perspetiva, tipificam as práticas e a evolução duma área da Medicina devotada a Crianças e Jovens, cerca de 20% da população em Portugal.
Ao
tempo, no âmbito da Saúde, e não só, o nosso País era considerado de transição,
entre subdesenvolvido e desenvolvido. A par duma natalidade traduzida por cerca
de 200.000 nados-vivos anuais – garantindo a renovação de gerações – a taxa de
mortalidade infantil de 70/1.000, do tipo “terceiro mundo”, envergonhava-nos.
Tendo
como pano de fundo o ambiente do “meu hospital”, o que me impressionou logo de
início ?
- A
dedicação dos Mestres e Colegas mais velhos com quem muito aprendi, a
extraordinária perícia e a dedicação das enfermeiras, em número insuficiente,
mas cruciais, que faziam milagres e conseguiam canalizar veias de bebés muito
pequenos... Para mim um espanto, vindo eu do internato geral de adultos,
internato que ao tempo não contemplava a pediatria.
- A
elevada prevalência de patologia evitável, exemplificada designadamente por
casos de marasmo – os “distróficos” na gíria de então -, kwashiorkor,
raquitismo, formas graves de tuberculose, sífilis congénita, sarampo, de tosse
convulsa, etc.
- A
existência duma enfermaria específica para tratamento de situações de
desidratação grave por gastrenterite aguda obrigando a fluidoterapia endovenosa;
- Os
internamentos prolongados, os doentes separados da família e casos de
hospitalismo. As leis vigentes ainda não contemplavam a presença permanente dos
pais junto dos filhos, embora houvesse caso a caso uma boa relação humana
médico – doente – família.
O
panorama traçado ao de leve consubstanciava globalmente certo grau de atraso do
País e uma filosofia de governação com falta de investimento em medidas
preventivas, aliados à iliteracia em assuntos básicos da Saúde por parte da
população mais desfavorecida.
Felizmente
o panorama foi mudando de modo progressivo ao longo dos últimos 45 anos. Houve
uma mudança não só política, como económica e social, houve a integração na
União Europeia, e o País passou a ser reconhecido pelas instâncias
internacionais como desenvolvido.
Com
efeito, operou-se largo investimento na área dos cuidados primários (a casa
começa a construir-se pela base...), na promoção da saúde, na prevenção de
doenças infeciosas, na assistência perinatal, na reestruturação dos centros de
saúde, na modernização e ampliação da rede hospitalar, e na educação para a
saúde desde a escolas básica. Os frutos da mudança conduziram a uma melhoria
expressiva dos indicadores de saúde, espelhando números que contribuem para
aumentar a satisfação dos mais pessimistas (e dos políticos...); isto, pelo
menos, quanto a mortalidade infantil, que desceu até 2,8/1.000 em 2015,
ultrapassando países tradicionalmente na linha da frente e aumentando a
autoestima nacional. Contudo, em paralelo com esta melhoria, Portugal não fugiu
à epidemia europeia da baixa natalidade: no mesmo ano, menos de 90.000
nascimentos, o que compromete a renovação de gerações.
Todo
este esforço foi reconhecido pela Organização Mundial de saúde (OMS), que
colocou Portugal em posição destacada na cotação mundial dos melhores sistemas
de saúde: o 6º melhor para se nascer entre 80 países com mais de 10 milhões de
habitantes, e fazendo parte dos 5 países com melhores resultados em indicadores
de saúde na Europa.
Contudo,
há que ser realista, pois ao cabo de 45 anos a patologia mudou e todos os que
se dedicam à clínica passaram a enfrentar outros problemas, muitos de forte
cariz social: a toxidependência, a pobreza e exclusão social em certas bolsas
da população, as repercussões do ambiente de stress, de violência, disfunção e
negligência familiares, os maus tratos, os efeitos da poluição, a obesidade e
excesso de peso com a respectiva comorbilidade, a infecção por VIH, a doença
crónica, com múltiplas facetas, e muitos outros. No âmbito das situações mais
correntes, os tempos de internamento diminuíram, mas certa patologia mais
complexa, passou a levantar a questão da necessidade dos cuidados domiciliários
e continuados (inexistentes ou insuficientes para a idade pediátrica).
E no
meu Hospital, que é diferenciado e na posição de “fim da linha”, o que mudou
quanto à prestação de cuidados, ao ensino, e à investigação?
Eis o
que me foi dado protagonizar, com maior representatividade, até à data:
- a
preocupação de criar, cada vez mais, ambiente acolhedor e humanista para o doente
incluindo a presença permanente da família;
-
modernização de estruturas e aquisição de equipamento sofisticado em diversas
áreas, em prol da melhoria da qualidade assistencial, auditada a nível
internacional;
-
criação de unidades de cuidados intensivos neonatais e pediátricos;
-
criação e desenvolvimento de uma dezena de subespecialidades pediátricas (a
Hematologia foi a primeira) pressupondo implicitamente o desenvolvimento de
técnicas específicas e a respectiva valência formativa;
- a
criação de centro de simulação em técnicas.
No
âmbito do ensino registam-se como mais marcantes os seguintes factos:
– a
ligação do HDE à Universidade Nova de Lisboa conferindo o estatuto de hospital
universitário desde 1977;
- a
formação de pediatras gerais em obediência au programa nacional de internato
complementar – hoje chamado de formação específica – que evoluiu de 3 para 5
anos e passou a estar estruturado e diversificado com mobilidade dos internos
por diversas instituições incluindo cuidados primários;
- a formação
de pediatras com subespecialidades englobando o treino em técnicas e a
frequência de ciclos de estudos especiais, desde a neonatologia à
gastrenterologia e neurologia;
- o
Núcleo Iconográfico, arquivo imagiológico com material de extraordinário valor
pedagógico e científico, divulgado periodicamente.
Quanto
à investigação, o panorama também mudou muito. Assistimos ao entusiasmo
crescente das novas gerações de investigadores realizando estágios em centros
nacionais e estrangeiros, e publicando os resultados de estudos em revistas de
projecção internacional. Na última década foi criado um centro de investigação
e um laboratório de nutrição, realizando trabalho notável de investigação de
translação.
Ainda
no campo da investigação, indissociável da formação e da assistência, cumpre
dar o devido a relevo à organização de eventos científicos, ao Núcleo de
Estudos Pediátricos e ao Anuário do HDE, funcionando há quase um quarto de
século: repositório de estudos realizados anualmente e ulteriormente divulgados,
com atribuição de prémios segundo regulamento.
Falar
sobre factos históricos no âmbito do tópico em análise, importa uma referência
obrigatória à Sociedade Portuguesa de Pediatria e às suas secções/sociedades
satélites, devotadas às subespecialidades pediátricas. Pugnando pela conceção
da Pediatria como medicina integral de um grupo etário e considerando a lógica
da subespecialização a partir da medicina pediátrica, tem estabelecido pontes
com congéneres estrangeiras, e constituído um pilar fundamental para o
crescimento e desenvolvimento da Pediatria Nacional, através da sua revista
periódica, eventos científicos, cursos, bolsas de estudo, recomendações, etc..
Sobre
os Grandes Mestres da Pediatria Nacional a quem presto aqui homenagem, a lista
é longa, e fazendo citações de alguns, correria grave risco de omissão de
outros. Assim, a minha opção foi referir-me apenas àqueles com quem trabalhei
desde os primórdios e me influenciaram na carreira: Nuno Cordeiro Ferreira, M.
Elisa Sacramento Monteiro e António Martins Roque.
A
propósito do futuro, em tempo do Congresso e em obediência ao título deste
escrito, resolvi falar sucintamente sobre o que eu desejo para o HDE, o qual
faz parte da Pediatria Nacional.
-
Primeiramente, desejo que no futuro o meu hospital se mantenha como instituição
autónoma, em ligação estreita a um hospital geral (já estou a perspetivar o
futuro Hospital Oriental...) mas com edifício próprio. Questão polémica, mas em
prol dos direitos, superiores interesses e bem estar da criança e jovem doentes.
-
Mas, se assim coloco esta a questão, tenho que ser coerente: desejo também que
no futuro, o HDE, funcionando em rede efectiva, incremente ligações, algumas já
realidade, com outras instituições prestando cuidados menos diferenciados,
designadamente através da telemedicina (há que tirar partido da tecnologia).
-
Desejo que no futuro, em ligação com o hospital, haja condições técnicas e
humanas para o desenvolvimento da área de cuidados continuados e de assistência
extra-hospitalar, relevando o papel crucial dos profissionais de enfermagem.
Tal implica, contudo, incremento muitíssimo significativo de elementos.
Considero que tal concretização seria um enorme avanço. O futuro a encarar o
problema da doença crónica...
-
Desejo que seja repensado e melhorado o processo de transição do doente
pediátrico para a medicina de adultos, tendo mais uma vez em conta a
importância da doença crónica.
-
Desejo que a tecnologia, com seu contributo inestimável para o exercício da
medicina, não subalternize paradoxalmente o acto médico clássico, humanista, na
relação médico-pessoa.
-
Numa fase em que “se sabe cada vez mais de cada vez menos”, desejo que no
futuro o subespecialista continue a considerar o paciente como um todo, e a
pediatria como uma medicina integral dum grupo etário.
-
Desejo que no futuro próximo se incremente a valência do treino contínuo em
simulação.
A propósito, costumo citar Oscar Wilde: “Progredir é realizar a utopia”