quarta-feira, 7 de julho de 2021

Professor Gonçalo Cordeiro Ferreira denuncia " Projecto de Lisboa Oriental chega a ser criminoso" "As crianças serão penalizadas"

 Professor Gonçalo  Cordeiro Ferreira denuncia:

 "O projecto do Hospital de Lisboa Oriental chega a ser criminoso" .... "As crianças serão penalizadas" 

7 Julho 2021 7:23

Gonçalo Cordeiro Ferreira, médico pediatra

nuno botelho

O diretor de Pediatria do Hospital Dona Estefânia, Gonçalo Cordeiro Ferreira, não gosta de aparecer nos média, mas a desilusão com o processo de construção do novo Hospital de Lisboa Oriental fê-lo vir a público, “a título pessoal”, contestar a decisão. Avisa que, “ como sempre, as crianças vão ser penalizadas”, mas diz que ainda é possível alterar o rumo daquele que acredita ser o maior investimento nacional em saúde das últimas décadas, uma parceria público privada na zona de Marvila, avaliada em mais de 500 milhões de euros


Gonçalo Cordeiro Ferreira, médico pediatra

O diretor de Pediatria do Hospital Dona Estefânia, Gonçalo Cordeiro Ferreira, não gosta de aparecer nos média, mas a desilusão com o processo de construção do novo Hospital de Lisboa Oriental fê-lo vir a público, “a título pessoal”, contestar a decisão. Avisa que, “ como sempre, as crianças vão ser penalizadas”, mas diz que ainda é possível alterar o rumo daquele que acredita ser o maior investimento nacional em saúde das últimas décadas, uma parceria público privada na zona de Marvila, avaliada em mais de 500 milhões de euros

Projeto do Hospital de Lisboa Oriental “chega a ser ... - Expresso

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Projeto do Hospital de Lisboa Oriental“chega a ser criminoso. Como sempre, ascrianças vão ser penalizadas”, acusa diretor do D. Estefânia

Gonçalo Cordeiro Ferreira rompe o silêncio e critica publicamente o processo de substituição de seis unidades hospitalares no centro da capital -Capuchos, São José, Santa Marta, Curry Cabral, Maternidade Alfredo da Costa e Dona Estefânia - por uma unidade na zona de Marvila.

 O Hospital de Lisboa Oriental não convence o decano da Pediatria, que classifica o processo de opaco. Diz que fala como cidadão e pediatra e pede que se aprendam as lições tiradas da pandemia. Porque sente necessidade de vir a público falar sobre a construção do novo hospital de Lisboa?

Em primeiro lugar, por um imperativo de consciência enquanto médico, pediatra e cidadão em nome da assistência das crianças, que não vai ficar bem assegurada por este novo hospital e que não tem nada a ver com qualquer papel meu porque, se e quando este hospital estiver construído, eu já estarei felizmente reformado. E porque chegou-nos uma enorme oportunidade de reflectirmos, que é a pandemia. Mais do que nunca se impõe olhar para a estrutura hospitalar pré e pós pandemia.

Que lições a pandemia nos deixou neste aspeto? A pandemia ensinou-nos lições extraordinárias. Desconstruiu um mito propagandístico divulgado pelos economistas da saúde de que, no futuro, era para diminuir o número de camas de internamento. Como se viu, não é possível. Andámos aflitos pela falta de camas e fizemos tudo à última da hora, com custos financeiros muitíssimo superiores do que se tivéssemos tido a capacidade instalada. E até tivemos alguma sorte porque se andaram a fechar muitos internamentos. É uma lição de humildade para os economistas da saúde, para ouvirem mais os médicos. Só não foi pior porque a pandemia, nas primeiras fases, atingiu sobretudo os adultos e sacrificaram-se as camas pediátricas para os atender. Poderia ter sido pior? Se a pandemia tivesse tido um grande impacto nas crianças, não sei o que poderia ter acontecido porque a maior parte dos hospitais não tinha grande flexibilidade. E para haver flexibilidade é necessário haver espaço. Em Lisboa e Vale do Tejo, só conseguiríamos encontrar esse espaço em dois sítios: os hospitais Curry Cabral e o Dona Estefânia. Mesmo Santa Maria tem pouco espaço, as reservas que existiam se esgotaram. E todo os hospitais construídos no século XX nesta filosofia, como o Beatriz Ângelo ou o Fernando Fonseca, estão muito entalados. Esta foi uma moda que não corresponde às necessidades do século XXI, como se viu, que vão nos colocar problemas com novos agentes pandémicos

. E houve mais alguma lição relevante?

Sim, que vamos pagar muito caro no futuro. quando a pandemia surgiu, o SNS estava completamente desnatado em termos de pessoas e de equipamento, o que aconteceu porque, como nunca desde o 25 de Abril, a Saúde estava completamente dependente da ditadura dos ministros das Finanças. Vítor Gaspar e Mário Centeno foram autênticos ministros da Saúde, cuja única função era fechar as torneiras, o que obrigou a atual tutela da Saúde afazer um esforço em termos de equipamentos e recursos humanos, que vai sair muitíssimo caro no futuro. Mais uma vez sacrificamos as perspetivas de futuro ao presente. Tivemos uma oportunidade com a gripe A e não aprendemos nada e é por isso que tenho muito medo de que voltemos a não aprender nada.

 

 

 

O modelo do novo hospital não responde a estas lições?

Faz-me uma pergunta pertinente à qual não posso responder com firmeza porque, extraordinariamente, nunca me foi mostrado o plano funcional do novo hospital. Já pediu? Então não pedi? Começou a ser falado em 2005 e atravessou até agora, quatro governos, cinco ministros, três ARSLVT e três administrações do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC).

 O primeiro programa que surgiu era aterrador e todos os responsáveis disseram que tinha de ser profundissimamente alterado. E foi?

Aparentemente, algumas críticas foram acolhidas, mas a partir daí gerou-se um silêncio assustador. Mas o programa continuou a evoluir, fizeram-se concursos, eu diria, quase clandestinamente e ainda não veio à luz do dia.

É certo que vão passar das atuais mais de 1300 camas em seis hospitais do CHLC para 875?

Não se tem a certeza. Há um programa funcional que circula, não sabemos se é apócrifo ou não, mas que tem alguma possibilidade de ser real e que aponta para isso. Mas, a ser construído, depois do Santa Maria, construído nos anos 50, no Estado Novo, este é o primeiro grande hospital construído em tempo de democracia. Portanto, seria interessante, até para a autoestima dos políticos, que fosse um marco. Tem sido classificado como um investimento "histórico". Mas não vai ser, da maneira como está a ser concebido. Mais do que o objetivo, é a forma lamentável como está a ser feito, sem qualquer discussão pública. E quanto à finalidade, é muito discutível. A começar e é simbólico pelo próprio nome. Começou por ser chamado de Hospital de Todos os Santos, o primeiro hospital em Lisboa, destruído pelo terramoto de 1755, que viria a ser substituído pelo Hospital de São José. Seria o nome lógico e agregador, mas o ministério deixou cair e substituiu um nome histórico, por uma designação geográfica. Ao lavar as mãos mostrou o interesse que o projeto lhe suscita.

Olhando para o que lhe chegou, qual a sua opinião?

Fico abismado. É impossível lá meter o equivalente a seis hospitais. Fala-se em flexibilização, mas o máximo que apontam nem sequer chega para as encomendas. Na Pediatria teremos cerca de 96 camas, com os planos de contingência, e para tudo -Ortopedia, Cirurgia... temos cerca de 190. Mas se nas camas a situação já não é boa, no ambulatória a situação seria ainda mais absurda, com não mais de 20 gabinetes de consulta externa, incluindo até a própria Ginecologia e Obstetrícia e cinco gabinetes para as Especialidades Pediátricas. Se for mesmo assim, não é miopia, chega a ser criminoso porque estamos a condena reste e hospital à insignificância e a morrer antes de abrir. Não vais servir para ninguém. E isso não me foi apresentado, tive conhecimento não oficial. Não houve uma apresentação oficial do plano.

Nunca pediu uma reunião?

Claro. Tivemos uma reunião porque nem sequer tinha espaço para a Unidade de referência para Doenças Epidemiológicas Nascentes. Para se tentar encaixar, mas não sei como ficou, nunca nada apresentado na globalidade, nem nas características arquitetónicas.  completamente desadequado? Antes do conteúdo, é a própria forma. No Norte, quando se construiu o Centro Materno Infantil do Porto, uma carta aberta ao então ministro da Saúde dizia que o projeto foi colocado em discussão pública. Esta carta foi escrita pelo ex-secretário de Estado, Fernando Araújo, atual diretor do Hospital de São João. O que me surpreende que este hospital, que seguramente será uma obra cara, e um marco para o país e para Lisboa, só tenha sido falado de forma tímida. Nem os políticos nem os media se interessaram por isto. Espanta-me como escapou ao escrutínio de políticos e jornalistas, porque é para isso que cá estão. Espero que com a campanha eleitoral para Lisboa o assunto venha átona, e que os candidatos digam o que pensam que Lisboa precisa e merece.

 

 

Qual o papel da Câmara Municipal de Lisboa?

Não é assim tão inocente quanto parece. A Câmara pode contribuir para a resolução desta situação porque o hospital é totalmente insuficiente e querem colocar a Pediatria numa prumada, que vai negar o mais importante que é o ambiente terapêutico, que é todo o aspeto que permite às crianças não se acharem num hospital. E com espaços verdes, o que é impossível neste projeto. Mas a Câmara pode ajudar. Há vantagens na associação a um grande hospital de adultos, mas temos de estar separados. Defendemos que haja um polo de adultos e outro materno-infantil, com uma construção ligada, mas independente. E a Câmara tem naquela zona um terreno que está livre, que era para ser cedido ao IPO, que também ia migrar para lá

. Ainda seria possível? 

É em nome de um bem maior. A Pediatria precisa de um espaço próprio, que permita instalar todas as conquistas para as crianças feitas pelo D. Estefânia. Uma torre integrada num hospital de adultos não serve. O que se passou foi que se sabia que as pessoas não concordariam com este projeto e foram mantidas longe, enquanto os concursos avançavam, porque foi tudo liderado, acredito eu, pela pressão das Finanças, com a cumplicidade da Saúde. A única possibilidade de contrariar a vontade das Finanças é com a vontade política, que aqui nunca foi declarada. Este nunca foi um assunto fundamental. E agora tem de chegar à discussão pública, que constrói a vontade política. O que me choca mais é a total opacidade. É assustador.

 FIM

 

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Comentario

 Sim ! como temos desde sempre  denunciado é um projecto redutor, que obedece aos  interesses  financeiros ligados a saúde e a especulação  imobiliaria,  que no caso estão  representados  por  gestores economicistas  sem qualquer sensibilidade para as necessidades assistenciais das nossas crianças.

.Se antes  os seus objectivos já  seriam obscuros os de  agora o serão duplamente, pois a pandemia demonstrou a imperiosidade  da separação de circuitos  e dos espaços hospitalares nas suas diversas vocações de forma a que não  se transformem eles proprios em elos de transmissão  da doença .

 Pedro Paulo Mendes ( membro Plataforma Civica )


 

 

 

 

 


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